"As obras de Suas mãos são verdade e justiça; Imutáveis os Seus preceitos; Irrevogáveis pelos séculos eternos; Instituídos com justiça e eqüidade." - Salmo 110, 7-8

domingo, 29 de junho de 2014

Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo

O ABRAÇO DE PEDRO E PAULO: UMA IMAGEM DA ARTE CRISTÃ

O relevo de Aquiléia

     No Museu Paleocristão de Monastero, nas redondezas de Aquiléia, cidade situada no extremo norte da Itália, junto ao Adriático, se conserva um baixo-relevo do século IV que representa o abraço dos Apóstolos Pedro e Paulo.



     A peça, esculpida em pedra, foi encontrada no ano de 1901 em uma Basílica paleocristã do século IV dedicada aos mártires Félix e Fortunato, localizada ao sudeste de Aquiléia. Esta cidade foi uma importante sede episcopal. Segundo as características fisionômicas com que são representados os dois santos, o relevo, que se conserva incompleto, pode ser datado nos primeiros decênios do século IV, pouco depois do Édito de Milão.

     A cena representa o abraço de Pedro e Paulo, que se olham fixamente. Pedro à esquerda e Paulo à direita, são representados conforme os cânones próprios da época, que têm permanecido praticamente inalterados até nossos dias. Qual é o significado desta imagem? Por quê representaram os cristãos do século IV o abraço dos dois santos?

A solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo

     A resposta encontramos em primeiro lugar no âmbito litúrgico. Desde os tempos antigos a Igreja celebrou a solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo em um mesmo dia, 29 de junho. A Igreja os reconhece unidos no mesmo martírio, sinal de fidelidade e amor a Cristo. Derramando seu sangue - um na colina vaticana e o outro junto à via ostiense - se fizeram irmãos. Juntos fundaram a nova Roma cristã.

     Assim canta Paulino de Aquiléia (+806):

"O Roma felix, Roma feliz, adornada de púrpura pelo sangue precioso de Príncipes tão grandes. Tu superas toda beleza do mundo, não por teu mérito, mas pelo mérito dos santos que mataste com a espada sanguinária."

Os fundadores da Nova Roma, a Roma Cristã

     Assim, na iconografia cristã Pedro e Paulo são os novos Rômulo e Remo, irmãos fundadores da nova Roma, a Roma cristã que se eleva sobre o lugar de seu duplo martírio.



     Algumas palavras de Bento XVI, em 29 de junho de 2012, garantem esta interpretação:

"Desde sempre a tradição cristã tem considerado São Pedro e São Paulo inseparáveis: na verdade, juntos, representam todo o Evangelho de Cristo. Mas, a sua ligação como irmãos na fé adquiriu um significado particular em Roma. De facto, a comunidade cristã desta Cidade viu neles uma espécie de antítese dos mitológicos Rómulo e Remo, o par de irmãos a quem se atribui a fundação de Roma."

Um abraço ecumênico

     Mas há mais, e esta é a riqueza da tradição cristã. Segue dizendo Bento XVI:

"E poder-se-ia, continuando em tema de fraternidade, pensar ainda noutro paralelismo antitético formado com o primeiro par bíblico de irmãos: mas, enquanto nestes vemos o efeito do pecado pelo qual Caim mata Abel, Pedro e Paulo, apesar de ser humanamente bastante diferentes e não obstante os conflitos que não faltaram no seu mútuo relacionamento, realizaram um modo novo e autenticamente evangélico de ser irmãos, tornado possível precisamente pela graça do Evangelho de Cristo que neles operava. Só o seguimento de Cristo conduz a uma nova fraternidade: esta é, para cada um de nós, a primeira e fundamental mensagem da Solenidade de hoje, cuja importância se reflecte também na busca da plena comunhão, à qual anelam o Patriarca Ecuménico e o Bispo de Roma, bem como todos os cristãos."

O ícone da comunhão da Igreja

     Dois homens distintos em caráter, cultura e educação religiosa, mas unidos pelo encontro com Cristo, que mudou suas vidas e lhes deu uma nova identidade e uma nova visão. Assim, este relevo se converte em ícone da comunhão na Igreja, do abraço dos discípulos de Cristo. A Igreja é uma comunhão. Roma se funda em um abraço, em uma concórdia.

     Na mesma solenidade de Pedro e Paulo, no ano de 2008, o Papa Bento XVI dizia:

"Em virtude do seu martírio, Pedro e Paulo estão em relacionamento recíproco para sempre. Uma das imagens preferidas pela iconografia cristã é o abraço entre os dois Apóstolos a caminho do martírio. Podemos dizer: no mais íntimo, o seu próprio martírio é a realização de um abraço fraterno. Eles morrem pelo único Cristo e, no testemunho pelo qual dão a vida, são um só. Nos escritos do Novo Testamento podemos, por assim dizer, seguir o desenvolvimento do seu abraço, a realização da unidade no testemunho e na missão. Tudo começa quando Paulo, três anos depois da sua conversão, vai a Jerusalém "para conhecer Cefás" (Gl 1, 18). E volta a Jerusalém, 14 anos depois, para expor "às pessoas mais notáveis" o Evangelho que ele anuncia, para não arriscar a "correr ou ter corrido em vão" (Gl 2, 1s.). No final deste encontro, Tiago, Cefás e João estenderam a mão, confirmando deste modo a comunhão que os congrega no único Evangelho de Jesus Cristo (cf. Gl 2, 9). Encontro um bonito sinal deste abraço interior em crescimento, que se desenvolve apesar da diversidade dos temperamentos e das funções, no facto de que os colaboradores mencionados no final da Primeira Carta de São Pedro Silvano e Marcos são colaboradores igualmente estreitos de São Paulo. Na união dos colaboradores torna-se visível de modo muito concreto a comunhão da única Igreja, o abraço dos grandes Apóstolos."

O abraço de dois Papas

     Sim, Roma se funda em um abraço, em uma concórdia. Quem não recorda esta imagem?



     A foto foi tirada em 5 de julho de 2013, com ocasião da inauguração de uma estátua de São Miguel Arcanjo nos jardins vaticanos.

     Havia tão somente uma semana desde a publicação da Encíclica Lumen Fidei. O abraço dos dois Papas, um emérito e o outro inaugurando ainda seu ministério, evoca o relevo que acabamos de comentar. Embora na imagem de Aquiléia não se trata de dois Papas, o valor iconográfico é o mesmo: a comunhão na guia da Igreja. Frente à aqueles que querem contrapôr de maneira radical os dois pontificados, a redação "à quatro mãos" de Lumen Fidei - como disse o próprio Papa Francisco - fala de comunhão e fraternidade.

     O teólogo Olegario González de Cardebal escrevia em "La Tercera" da ABC:

"À quem honra mais este texto: à quem renuncia a sua autoria e o entrega à outro, ou à quem aceita o magistério de seu predecessor e o faz seu como ponto de partida do próprio pontificado? Assim a pedra encimada de um edifício se converte em pedra cimento do seguinte, que não é outro edifício, porque o que está aqui em jogo não são dois arquitetos, mas a única Igreja de Cristo para iluminação e salvação dos homens."

     Nos parece um juízo muito acertado, e é o que queríamos ilustrar com o relevo de Aquiléia.

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