III. A INDISSOLUBILIDADE DO MATRIMÔNIO NOS CONCÍLIOS PARTICULARES E NAS COLEÇÕES CANÔNICAS
À partir do século X, a Igreja assume o poder sobre a regulação do Matrimônio pelo que tanto havia lutado contra as legislações civis divorcistas, no princípio, as que regiam no Império e, à partir do século VI, as leis que importa o direito germânico, que também facilitavam o divórcio. Não obstante, o direito da Igreja nos primeiros séculos não está livre de irregularidades. De fato, constata-se que nas Coleções Canônicas encontram-se "alguns textos fortemente imbuídos de mentalidade divorcista que passaram livremente pelas páginas de importantes e influentes coleções canônicas, até chegar ao mesmo Decreto de Graciano, em meados do século XII".
1. Normas hermenêuticas
Como no parágrafo anterior, é preciso ter em vista algumas normas de interpretação, similares às que fazíamos à respeito dos escritos dos Padres, dado que também a leitura das normas jurídicas que aparecem ao longo do primeiro milênio da história da Igreja são interpretadas de modo diverso. O fato é que, segundo se faça a leitura e a análise dos textos, se tiram distintas conclusões. Isto não é um dado hipotético, mas uma realidade constatada, pois dele, à partir dos mesmos dados, derivam duas correntes diferenciadas à hora de julgar com que rigor a Igreja deste amplo período permitiu a separação dos esposos com a possibilidade de contrair novas núpcias dos matrimônios separados.
Por conseguinte, para interpretar corretamente os textos jurídicos da Igreja deste tempo em matéria matrimonial terão de ter à vista os seguintes dados:
a) Em primeiro lugar, há de se ter em conta que o direito matrimonial na Igreja parte da vida mesma à luz da doutrina sobre o Matrimônio no Novo Testamento. Em conseqüência, as vacilações na compreensão, por exemplo, das cláusulas de São Mateus ou do "privilégio paulino", deixam-se sentir na normativa que marca a conduta a seguir pelos fiéis nesta matéria de algumas Igrejas Particulares muito concretas.
b) Por sua vez, as normas canônicas se emitem em meio de uma legislação divorcista, qual era a do Império. Como dizíamos mais acima, inclusive os Imperadores cristãos não puderam levar à prática as exigências éticas reveladas sobre o Matrimônio. Tampouco aos Papas foi fácil legislar sobre o tema, dado que era missão que assumia o poder civil. Só depois de Carlos Magno os Bispos ditaram normas que regulassem a união matrimonial.
c) É preciso adicionar uma nova circunstância: a situação social da época, tão elementar e inculta, não era facilmente permeável às exigências éticas que assinalava o Cristianismo em ralação à instituição familiar. Um ambiente cultural rude e plebeu faz muito difícil que o homem se eleve à alturas éticas: em tempos bárbaros, costumes bárbaros! Á essa situação respondem, por sua vez, as grandes penitências que se impunham aos pecadores, em especial aos adúlteros. Tais castigos só se explicam porquanto correspondem com a concepção áspera e brutal da existência do homem naquela época.
d) Mais decisivo ainda é distingüir cuidadosamente cada um dos documentos, segundo sua origem, procedência e importância do tema sobre o que se legisla. Não é o mesmo uma norma que emana de um Sínodo Particular - que em ocasiões foram muito limitados tanto à geografia do lugar em que se celebra, como aos problemas muito locais sobre os que dita - que uma decisão de um Concílio Universal ou, ao menos, particularmente maior, porque abarca um âmbito eclesial mais extenso e culto.
e) De modo semelhante, se há de julgar de maneira distinta um ditado que aparece em uma Coleção Canônica, cuja origem não nos consta o que foi recopilado por motivos mais ou menos conjunturais, que uma norma que passa à Coleções sucessivas e logo se aplica de modo comum em toda a Igreja.
f) Assim mesmo têm-se que distingüir esses dois gêneros de documentos que aparecem no enunciado: Sínodos ou Concílios Particulares e Coleções Canônicas. Aos "Concílios" é preciso dar o valor que merece tal reunião de um grupo mais ou menos numeroso de Bispos. Pode ofuscar o rico sentido que tem o termo "Concílio" quando coloca-se em comparação com os Concílios da Igreja Universal. O mesmo cabe dizer das Coleções Canônicas, de tão diversa gama, se se intenta compará-las com as normas jurídicas que, à partir do século XX, se denomina "Código de Direito Canônico", com valor vinculante para a Igreja Universal latina ou o Código de Direito para a Igreja Oriental.
g) Tema de excepcional importância é a exegese dos termos jurídicos. Com efeito, o Matrimônio cristão se celebra em um âmbito cultural muito determinado: no começo, hebreu, logo greco-romano e, mais tarde, no mundo que surge depois da invasão do Ocidente pelos povos germanos. Pois bem, a terminologia com que estes diversos âmbitos culturais expressam a natureza do Matrimônio não é sempre coincidente. Por exemplo, o termo "desponsatio" tem sentido concreto no matrimônio judeu ou germano, pois designava um momento prévio no tempo à celebração do matrimônio propriamente dito. Pelo contrário, no Direito Romano equivalia ao contrato formal fechado entre os esposos, pois as cerimônias prévias não pertenciam à essência do Matrimônio. Conseqüentemente, quando os documentos cristãos empregam este termo, o usam no sentido hebreu (desposórios de São José e a Virgem), que não incluía a celebração do matrimônio, mas um ato prévio. Daqui que, dispensar da "desponsatio" não era "romper o vínculo" matrimonial, mas tão só dispensar do compromisso que precedia ao consentimento de mútua entrega.
h) Finalmente, é preciso observar as normas hermenêuticas mais comuns. Em concreto, as seguintes: interpretar o testemunho em seu contexto literal e histórico; atender por igual aos textos que defendem a união estável que os que permitem a separação; não abusar do "argumento do silêncio", pois nem sempre que se omite um tema, se supõe necessariamente que tal situação era admitida; não projetar sobre a doutrina antiga a temática que hoje preocupa se não se corresponde com a situação real da época, não universalizar as normas singulares, pois como escreveu Aristóteles, "uma andorinha não faz verão". O fato de que um cânon permita que se celebre um segundo matrimônio não quer dizer que tal época olhava com simpatia o acesso às segundas núpcias dos divorciados e como tal, essa era a prática comum, etc.
Por conseguinte, para interpretar corretamente os textos jurídicos da Igreja deste tempo em matéria matrimonial terão de ter à vista os seguintes dados:
a) Em primeiro lugar, há de se ter em conta que o direito matrimonial na Igreja parte da vida mesma à luz da doutrina sobre o Matrimônio no Novo Testamento. Em conseqüência, as vacilações na compreensão, por exemplo, das cláusulas de São Mateus ou do "privilégio paulino", deixam-se sentir na normativa que marca a conduta a seguir pelos fiéis nesta matéria de algumas Igrejas Particulares muito concretas.
b) Por sua vez, as normas canônicas se emitem em meio de uma legislação divorcista, qual era a do Império. Como dizíamos mais acima, inclusive os Imperadores cristãos não puderam levar à prática as exigências éticas reveladas sobre o Matrimônio. Tampouco aos Papas foi fácil legislar sobre o tema, dado que era missão que assumia o poder civil. Só depois de Carlos Magno os Bispos ditaram normas que regulassem a união matrimonial.
c) É preciso adicionar uma nova circunstância: a situação social da época, tão elementar e inculta, não era facilmente permeável às exigências éticas que assinalava o Cristianismo em ralação à instituição familiar. Um ambiente cultural rude e plebeu faz muito difícil que o homem se eleve à alturas éticas: em tempos bárbaros, costumes bárbaros! Á essa situação respondem, por sua vez, as grandes penitências que se impunham aos pecadores, em especial aos adúlteros. Tais castigos só se explicam porquanto correspondem com a concepção áspera e brutal da existência do homem naquela época.
d) Mais decisivo ainda é distingüir cuidadosamente cada um dos documentos, segundo sua origem, procedência e importância do tema sobre o que se legisla. Não é o mesmo uma norma que emana de um Sínodo Particular - que em ocasiões foram muito limitados tanto à geografia do lugar em que se celebra, como aos problemas muito locais sobre os que dita - que uma decisão de um Concílio Universal ou, ao menos, particularmente maior, porque abarca um âmbito eclesial mais extenso e culto.
e) De modo semelhante, se há de julgar de maneira distinta um ditado que aparece em uma Coleção Canônica, cuja origem não nos consta o que foi recopilado por motivos mais ou menos conjunturais, que uma norma que passa à Coleções sucessivas e logo se aplica de modo comum em toda a Igreja.
f) Assim mesmo têm-se que distingüir esses dois gêneros de documentos que aparecem no enunciado: Sínodos ou Concílios Particulares e Coleções Canônicas. Aos "Concílios" é preciso dar o valor que merece tal reunião de um grupo mais ou menos numeroso de Bispos. Pode ofuscar o rico sentido que tem o termo "Concílio" quando coloca-se em comparação com os Concílios da Igreja Universal. O mesmo cabe dizer das Coleções Canônicas, de tão diversa gama, se se intenta compará-las com as normas jurídicas que, à partir do século XX, se denomina "Código de Direito Canônico", com valor vinculante para a Igreja Universal latina ou o Código de Direito para a Igreja Oriental.
g) Tema de excepcional importância é a exegese dos termos jurídicos. Com efeito, o Matrimônio cristão se celebra em um âmbito cultural muito determinado: no começo, hebreu, logo greco-romano e, mais tarde, no mundo que surge depois da invasão do Ocidente pelos povos germanos. Pois bem, a terminologia com que estes diversos âmbitos culturais expressam a natureza do Matrimônio não é sempre coincidente. Por exemplo, o termo "desponsatio" tem sentido concreto no matrimônio judeu ou germano, pois designava um momento prévio no tempo à celebração do matrimônio propriamente dito. Pelo contrário, no Direito Romano equivalia ao contrato formal fechado entre os esposos, pois as cerimônias prévias não pertenciam à essência do Matrimônio. Conseqüentemente, quando os documentos cristãos empregam este termo, o usam no sentido hebreu (desposórios de São José e a Virgem), que não incluía a celebração do matrimônio, mas um ato prévio. Daqui que, dispensar da "desponsatio" não era "romper o vínculo" matrimonial, mas tão só dispensar do compromisso que precedia ao consentimento de mútua entrega.
h) Finalmente, é preciso observar as normas hermenêuticas mais comuns. Em concreto, as seguintes: interpretar o testemunho em seu contexto literal e histórico; atender por igual aos textos que defendem a união estável que os que permitem a separação; não abusar do "argumento do silêncio", pois nem sempre que se omite um tema, se supõe necessariamente que tal situação era admitida; não projetar sobre a doutrina antiga a temática que hoje preocupa se não se corresponde com a situação real da época, não universalizar as normas singulares, pois como escreveu Aristóteles, "uma andorinha não faz verão". O fato de que um cânon permita que se celebre um segundo matrimônio não quer dizer que tal época olhava com simpatia o acesso às segundas núpcias dos divorciados e como tal, essa era a prática comum, etc.
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