"Eu sou o pão vivo" (Jo 6, 51).
Os Apóstolos dizem à Jesus no deserto: "Despede as pessoas" (Lc 9, 12). Essas pessoas seguiam ao Mestre, escutando Suas palavras sobre o Reino de Deus; mas já acercava-se a noite e a hora da ceia. A multidão seguia ali em silêncio, esperando.
Em outra ocasião, no deserto, quando faltou o pão, os filhos de Israel se rebelaram contra Moisés. Então receberam o alimento que caia todas as manhãs sobre o acampamento, e o chamaram "maná". Assim o povo, procedente da terra do Egito, pôde seguir seu caminho desde o país da escravidão, para a terra prometida.
Agora, Jesus diz aos Apóstolos: "Dá-lhes vós mesmos de comer" (Lc 9. 13) e, posto que eles não conseguem encontrar nenhuma solução, Cristo multiplica os pães: abençoa o pouco que tem, parte e dá aos discípulos; e estes, por sua vez, ao povo: "Comeram todos até saciar-se".
A multiplicação dos pães no deserto é um anúncio, como foi o maná: a multidão segue Jesus, quando experimenta Seu poder sobre o alimento e sobre a fome humana. Estão dispostos, inclusive, a proclamá-Lo rei. Acaso o Salmo de David não fala do domínio do Messias e do dia do Seu triunfo? "Para Ti o principado - diz - o dia de Teu nascimento" (Sal 110, 3).
Ao mesmo tempo, este Salmo chama sacerdote o Messias real: é sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec (cf. ib., v. 4).
Melquisedec foi rei e, ao mesmo tempo, sacerdote de Deus Altíssimo. À diferença dos sacerdotes da Antiga Aliança, não ofereceu à Deus o sangue de animais imolados, mas pão e vinho.
A multiplicação dos pães no deserto é, por essa mesma razão, uma mensagem profética: Cristo sabe que Ele mesmo realizará a profecia encerrada no sacrifício de Melquisedec. Como Sacerdote da Nova Aliança - da Aliança Eterna -, Jesus entrará no Santuário Eterno, depois de levar à cabo a obra da Redenção do mundo graças ao Seu próprio sangue.
No cenáculo, uma vez mais, dará aos Apóstolos praticamente o mesmo mandato: "Dá-lhes vós de comer!", "Fazei isto em memória de mim!".
Existem diversas categorias de fome que atormentam a grande família humana. Houve uma fome que transformou em cemitérios cidades e países inteiros. Houve a fome dos campos de extermínio, produtos dos sistemas totalitários. Em diferentes partes do globo existe ainda hoje a fome do terceiro e do "quarto" mundo: ali morrem de fome os homens, as mães e as crianças, os adultos e os anciãos. É terrível a fome do organismo humano, a fome que extermina.
Mas existe também a fome da alma, do espírito.
A alma humana não morre nos caminhos da história presente. A morte da alma humana tem outro caráter: assume a dimensão da eternidade. É a "segunda morte" (Ap 20, 14).
Ao multiplicar o pão para os famintos, Cristo colocou o sinal profético da existência de outro Pão:
"Eu sou o pão vivo, descido do céu. Se alguém come deste pão, viverá para sempre" ( Jo 6, 51).
Este é o grande mistério da fé. Mas as mesmas pessoas para as que Cristo multiplicou os pães, as que "comeram até saciar-se" (Lc 9, 17), não foram capazes de crer em Suas palavras quando falou do alimento que é Sua Carne, e da bebida que é Seu Sangue.
Por este motivo, as mesmas pessoas em seguida pediram Sua morte na cruz. Assim sucedeu. E só quando tudo se cumpriu, desvelou-se o mistério da Última Ceia: "Este é meu corpo, que será dado por vós... Este cálice é a nova aliança em meu sangue" (1 Cor 11, 24-25).
Do cenáculo saiu o sacerdote "segundo a ordem de Melquisedec", que caminha agora com Seu povo através da história.
Este é o conteúdo que a Solenidade de Corpus Domini pretende expressar e que queremos proclamar com esta procissão eucarística pelas ruas de Roma, desde a Basílica do Santíssimo Salvador em São João de Latrão até a Basílica mariana do Esquilino.
"Ave verum Corpus natum de Maria Virgine".
Que o caminho que percorremos transforme-se em uma imagem concreta dos outros muitos caminhos da Igreja no mundo de hoje. O Bispo de Roma, servo de todos os servos da Eucaristia, segue com o pensamento e com o coração à quantos hoje dão testemunho deste mistério, de norte a sul e desde o nascer do sol até o seu ocaso.
Onde quer que se encontre o povo de Deus da Nova Aliança, também está Ele, "o pão vivo descido do céu".
Onde quer que se encontre.
"Se alguém come deste pão, viverá para sempre".
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