"As obras de Suas mãos são verdade e justiça; Imutáveis os Seus preceitos; Irrevogáveis pelos séculos eternos; Instituídos com justiça e eqüidade." - Salmo 110, 7-8

sábado, 13 de abril de 2013

A imaginação no confessionário

Por: Bruno Moreno



       Me confessei uma infinidade de vezes ao longo de minha vida. E com todo tipo de padre: o santo, o misericordioso, o que te dá bronca, o bom para o que tudo é igual, o sábio, o imprudente, o surdo, o que se chateia que vais confessar-te se não tens pecados graves, o que está rezando, o que toma seu tempo, o jovenzinho aterrorizado recém saído do seminário, o ancião que já ouviu tudo um milhão de vezes... Por todos esses sinto um grande carinho e agradecimento, já que fizeram presente para mim o Pai misericordioso que me esperava no caminho, a Cristo crucificado que lavava meus pecados com Seu Sangue e ao Espírito Sato que me dava a graça para não pecar. Deus abençoe à todos.

       Há algo, contudo, que gostaria de sugerir para o elemento mais olvidado da confissão: a penitência. Por alguma razão, a penitência converteu-se na irmã feia e olvidada do Sacramento da Reconciliação. Alguns padres, nem sequer colocam penitência. E os que colocam uma penitência, dá a impressão de que tendem a considerá-la um trâmite, uma pequena cruz na caixa de "e cumprir a penitência". Basta ter em conta que, da infinidade de ocasiões em que me confessei, todas as vezes, menos de uma pequena parcela me impuseram a mesma penitência: rezar um Pai-Nosso e três Ave-Marias...

       Claro, qualquer penitência vale para cumprir o mínimo requerido para o Sacramento. Nesse sentido, podes estar tranqüilo porque a confissão é válida e perdoam-se os pecados, que é sem dúvida o mais importante. Mas é triste que uma ferramenta tão eficaz para a vida cristã se converta em um simples cumprir o expediente. A Igreja nos presenteia com ela, da arca de sua Tradição, um meio fantástico de conversão e o consideramos um mero trâmite. Tenhamos ante os nossos olhos o exemplo maravilhoso dos que, para purgar seus pecados, se vestiram de saco e cinza, peregrinaram com risco a sua vida a Santiago ou a Jerusalém, jejuaram, se humilharam, esperaram dia e noite à porta das igrejas... e os despachamos com três Ave-Marias.

       Que os confessores tomem mais à sério a penitência. Isso não quer dizer que tenham de impôr como penitência, uma peregrinação descalço à Austrália à um penitente que confessa distrair-se durante a homilia, mas que recordem o caráter medicinal da penitência. Diz o Catecismo da Igreja Católica que "a absolvição tira o pecado, mas não remedeia todas as desordens que ele causou. Liberto do pecado, o pecador deve ainda recobrar a plena saúde espiritual" (CIC §1459). O pecador sai do confessionário perdoado, mas ainda leva em seu corpo e em sua vida as feridas do pecado, que a penitência deve ajudar a curar.

       Os confessionários, contudo, parecem consultórios da Seguridade Social com baixo pressuposto, e nos que a todos os pacientes se receita o mesmo: aspirina. Não importa que tenham dor de cabeça, um braço quebrado ou câncer de pâncreas: aspirina. Ou três aspirinas. Ou paracetamol ou três aspirinas. É algo sem sentido, que só se explica pelo fato de que se olvidou a importância medicinal da penitência para curar as feridas concretas do penitente. Também diz claramente o Catecismo: "A penitência imposta pelo confessor deve levar em conta a situação pessoal do penitente e procurar seu bem espiritual. Deve corresponder, na medida do possível, à gravidade e à natureza dos pecados cometidos" (CIC §1460). Em minha experiência de mais de trinta anos confessando-me, isto não acontece quase nunca. E é uma pena.

       Das cinco ou seis vezes que não impuseram-me Pai-Nossos e Ave-Marias como penitência em toda minha vida, recordo um caso em que a penitência foi algo mais parecido ao que devia ser. Me confessei (outra vez) de soberba e o sacerdote me falou um pouco sobre a humildade e colocou-me penitência que rezasse, muito lentamente, o Magnificat, para que aprendesse aos pés da Virgem o que é humildade, para que me corasse ao ver que a Imaculada, a Cheia de Graça, a Rainha dos Anjos e dos Santos era capaz de fazer-Se pequena ante Deus, enquanto eu buscava colocar-me por cima dos demais. Resultou-me uma penitência verdadeiramente medicinal e apropriada a minha enfermidade particular.

       De novo, não estou inventando nada. O Catecismo também dá diversas sugestões sobre isto: a penitência "pode consistir na oração, numa oferta, em obras de misericórdia, no serviço do próximo, em privações voluntárias, em sacrifícios e principalmente na aceitação paciente da cruz que devemos carregar" (CIC §1460). Em uma Diocese que conheço, para o pecado do aborto se costuma impôr a penitência de ajudar durante certo tempo em uma residência para crianças enfermas ou com problemas. Estou seguro de que essa penitência contribui a que a pessoa que abortou se cure e se converta. E, como dizia antes, antigamente na Igreja se impunham penitências significativas, às vezes muito duras, que ajudassem a conversão verdadeira do pecador.

       Temo que o olvido da importância da penitência seja uma das causas que contribuem a que, tantas vezes, a confissão não conduza a uma conversão, ou inclusive a que as pessoas digam que preferem "confessar-se com Deus". A penitência nos tira da rotina, dificulta que nos confessemos por cumprir, e ajuda a conseguir uma cura tanto moral como psicológica.

       Ânimo confessores, a ter um pouco de imaginação. Supõe um pequeno esforço, mas dará frutos de vida eterna. Não podemos desperdiçar essa ajuda maravilhosa que nos entrega a Tradição da Igreja. Se alguém confessa-se por gula, que tal uma sexta-feira de jejum? Se se acusa de idolatrar o trabalho, por quê não levar seus filhos ao parque? Para o comodismo, ler a Paixão. Para o apegado ao dinheiro, desprender-se de algo querido e ganhar um tesouro no céu. Se alguém é colérico, copiar inteiro o Sermão da Montanha. Se não foi à Missa um domingo, ir à Missa diariamente durante uma semana... Ou qualquer outra coisa que lhes pareça oportuna, que para isso são confessores e têm graça de estado. Mas, por favor, basta de aspirinas para todos.

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