"As obras de Suas mãos são verdade e justiça; Imutáveis os Seus preceitos; Irrevogáveis pelos séculos eternos; Instituídos com justiça e eqüidade." - Salmo 110, 7-8

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Vozes que não se calam

Ciro Moss d'Avino para o Jornal da Cidade de Bauru - 15/11/2006

Sereno aguardarei no meu jazido a justiça de Deus na voz da História"

Palavras de D. Pedro II, grande Imperador do Brasil por quase 50 anos, à quem, nem o juízo tendencioso dos sediciosos conseguiu lançar leve nódoa, emparedados que estavam pela colossal dorça moral do personagem.
Saiu do Brasil sem levar quase nada. Deixou derradeira lição de honestidade ao rejeitar dotação que lhe concedia o Marechal Deodoro: 5.000 contos de reis, equivalente a 4,5 toneladas de ouro, para que vivesse sem dificuldades financeiras seus dias de exílio. Recusou a oferta afirmando que aqueles recursos eram da Nação.
Levou um travesseiro com terra para apoiar a imperial cabeça no derradeiro dia. Morreu dois anos depois em um modesto hotel, em Paris.
Que diferença! Que exemplo de virtude para os jovens.
Nos dias que correm alguns políticos inescrepulosos, com poucos anos de mandato, lesam os cofres públicos em muito mais. Mandam às favas as formalidades, e o butim em algum paraíso fiscal.
Sempre que surge ocasião eu gosto de contar essa passagem, talvez por emulação, para espantar qualquer complexo de inferioridade atávica.
Não - costumo dizer com ênfase -, nós não somos assim como nos mostramos hoje. É só um desvio de percurso. A nossa natureza é boa. Afinal, nós somos feitos dos mesmo barro que os ingleses, os suíços, os americanos. O Brasil vai dar certo.
Defensor da forma monárquica de governo, continuo tecendo elogios ao período, quando o Brasil ombreava com os grandes do mundo.
Como bem disse, certa vez, um diplomata brasileiro, "na época do império, De Gaulle não teria tido o topete de usar à nosso respeito a expressão que notabilizou. Éramos um País sério".
"Nosso povo não tem tradição" - afirmam alguns.
"Eu aceito a monarquia contanto que o rei seja eu" - debocham outros.
Para estes, e pelo bem do País, eu recomendo que se conservem republicanos.
Quanto à falta de tradição, argumento que foi a própria república quem se encarregou de inocular no caráter do nosso povo essa "tão nojenta feição", como dizia Lima Barreto. E complementava: "esse aspecto da nossa terra para quem analisa o seu estado atual, com toda a independência de espírito, nasceu-lhe depois da república".
O mesmo Lima Barreto, carioca, mulato, escritor talentoso, prossegue deixando um roteiro das transformações que arruinaram a vida pública irremediavelmente. "Proclamada que foi república, ali no Campo de Sant'Ana, por três batalhões, o Brasil perdeu a vergonha e os seus filhos ficaram capachos, para sugar os cofres públicos, desta ou daquela forma. Uma rematada tolice que foi a tal república".
E vai mais além ao afirmar que quem quis a república não foi o povo. Forma as oligarquias interesseiras: "No fundo, o que se deu em 15 de novembro foi a queda do partido liberal e a subida do conservador, sobretudo da parte mais retrógrada dele, os escravocratas de quatro costados".
O povo, "este assistiu atônito", como observou o propagandista da república, Aristides Lobo, decepcionado com a falta de apoio popular.
Mas será que foi de apatia a atitude do povo? Não podemos esquecer dos massacrados de Canudos. Dos Humildes camponeses do Contestado, que enfrentaram as forças da república armados de espadas de pau.
Dos civis e militares covardemente assassinados na Ilha de Nossa Senhora do Desterro, por ordem do "sargento" Floriano Peixoto. Nos conta Gilberto Freire, que negros cariocas e maranhenses foram "abatidos por tiros um tanto covardes da parte dos republicanos. Negros e ex-escravos espontâneos na sua dedicação ao Trono. Causa pela qual vários negros e mulatos perderam a vida de modo exemplar".
A república veio com a promessa de mudar o País. E mudou. Para pior. O personalismo presidencialista faz com que o equilíbrio entre os poderes seja afetado, pois as instituições acabam por sofrer a influência política e partidária do Poder Executivo.
A mola mestra do Império era o Poder Moderador. Ele harmonizavaos outros três, e ainda espraiava o reverente temor à "sentinela vigilante", como se refere ao Imperador o arrependido Ruy Barbosa.
O jurista João Mendes Júniro dizia que o mal não está nos homens, mas sim nas instituições republicanas. É de se pensar. Não é de hoje, a república se debate acossada por sucessivas crises. Muito mais que as crises, o que preocupa são as chagas que a desesperança vai imprimindo na alma do povo.
"Parecia que o Império reprimia tanta sordidez nas nossas almas", complementa Lima Barreto.
Mais de cem anos depois, a república ainda não consegue calar estas vozes.
Mais de cem anos depois, a república ainda não conseguiu mostrar à que veio. Dizem alguns crédulos, que em certas noites sem lua, de vez em quando se ouve lá pelas bandas do Vaza Barris, onde o rio margeava o antigo Arraial de Canudos, esta triste ladainha:
"Saiu D. Pedro II
Para o reino de Lisboa
Acabou-se a monarquia
O Brasil ficou à toa"


(Quadra entoada no Arraial do Conselheiro pelo povo de Canudos. Do livro Os Sertões de Euclides da Cunha)

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