Pe. José María Iraburu |
- Começamos uma nova série de artigos.
- Começo uma nova série de artigos... Bom, sim: começamos.
De Cristo ou do mundo foi o título de um livro meu (Fund. GRATIS DATE, Pamplona 1997, 233 pgs.), e vem a ser agora o título desta nova série de artigos.
Pode parecer um tanto agressivo. Estas contraposições fortes hoje não estão de moda. E não será raro que algum cristão dos que estão ao dia nos objete: Como é isso “de Cristo ou do mundo”? Sou de Cristo e sou do mundo. Dito isso, será tão grande, tão orgulhoso de sua capacidade pessoal de integração, de síntese e de conciliação.
O mal é que o que disse este cristão é falso, porque contradiz o que Cristo disse: “eles não são do mundo, como Eu não sou do mundo” (São João 17, 16). – Permita-me, quando digo... – Perdão, mas não vamos agora discutir essa questão, que intento desenvolver ordenadamente em um bom número de artigos. Você terá muitas ocasiões de impugná-los, se assim estima conveniente.
- Antes de seguir devo dar uma explicação. Uma leve doença me deteu durante dois dias, e aproveitei esse obrigado descanso para ler vários números atrasados da excelente revista católica 30 Dias, que subscrevo há muitos anos. E como precisamente nesses dias estava pensando na iniciação desta série, daí vem – coincidência providencial, mas pura coincidência – que tomo agora desta revista alguns exemplos de atitudes cristãs demasiado conciliadoras. À meu entender, claro.
Igreja e mundo moderno. Escreve o cardeal Georges Cottier, O.P.: “Sucedem-se periodicamente releituras e contribuições de diferentes orientações sobre como interpretar e onde posicionar o último concílio em relação ao caminho histórico da Igreja... Ainda hoje, boa parte das controvérsias interpretativas se concentram em torno da relação entre a Igreja e a ordem histórica do mundo, ou seja, o conjunto de instituições e contingências políticas, sociais e culturais em que os cristãos se encontram” (O ConcílioVaticano II: a Tradição e as instâncias modernas, 30D 2010, 1). Assim é, efetivamente. Embora na realidade, a relação entre Igreja e mundo sempre foi conflitiva, desde o tempo dos Apóstolos. Mas é certo que essa relação no tempo pós-conciliar, e inclusive antes, desde o modernismo e o Syllabus (1864), foi aprofundando gravemente, inclusive dentro do campo do pensamento católico. Volto em seguida sobre esse tema.
A Igreja e os judeus. Na seção de notícias breves reproduz a revista 30 Dias (2009, 9), sem comentários, um comunicado da Conferência Episcopal Italiana à propósito de seu presidente com altos representantes da comunidade judia italiana: “A Conferência Episcopal Italiana confirma que a Igreja Católica não tem intenção de operar ativamente (operare attivamente: sic) pela conversão dos judeus”.
Certamente essa frase não expressa com exatidão o pensamento dos Bispos italianos, e é um desses comunicados inexatos que às vezes se produzem. Se representara realmente seu pensamento – coisa, como digo, impossível – seria preciso fazer uma nova edição italiana dos Evangelhos: “ide e pregai o Evangelho à toda a humanidade, menos aos judeus” (São Marcos 16, 15), e também de alguns documentos do Vaticano II: “A Igreja enviada por Deus a todas as gentes para ser sacramento universal de salvação, obedecendo ao mandato do Seu Fundador, procura incansavelmente anunciar o Evangelho à todos os homens, menos aos judeus” (Ad Gentes, 1). Nosso Senhor Jesus Cristo, Estevão, Pedro e Paulo, e tantos outros, pregaram o Evangelho aos judeus, ocasionando assim uma grande tensão entre Israel e a Igreja. Nós, graças à Deus, temos superado agora essa atitude. Que bom.
Pouco depois, com ocasião da visita de Bento XVI ao Templo maior judeu de Roma e de seu encontro com o rabino chefe Riccardo di Segni, escreve Adreotti o editorial Uma nova página nas relações entre judeus e cristãos. “Justamente porque aconteceu em Roma é uma passagem cheia de significados e repercussões sobre todo o caminho de reconciliação entre católicos e judeus... Nós católicos superamos toda veleidade de discriminação contra os judeus... Creio que hoje, mesmo permanecendo evidentes e irredutíveis diferenças no plano teológico, os tempos possam ser maduros para que em um plano prático e social se possa desenvolver uma direção que eu definiria de comunhão com os judeus e que representa uma lógica conseqüência do caminho feito até aqui” (30D 2010, 1).
Vemos nesse texto um intento supremo de conciliar na unidade dois opostos: há entre cristãos e judeus “diferenças irredutíveis no plano teológico”, porque afirmamos a fé em Cristo, e eles a negam absolutamente. Mas graças ao “caminho de reconciliação entre católicos e judeus”, temos alcançado “no plano prático e social” um enfoque de “comunhão com os judeus”. As diferenças teológicas não são hoje para nosso afã conciliatório um obstáculo insuperável, e podemos afirmar que “entre judeus e cristãos se dá uma comunhão”. Que bom.
Outros têm ido mais longe. Em um colóquio organizado pelo International Council of Christians and Jews (08/09/1997), o Cardeal Etchegaray, então presidente do Conselho Pontifício de Justiça e Paz (1984-1998), expunha o tema O Cristianismo tem necessidade do judaísmo?, e contestava à essa pergunta: “Sem duvidar respondo que sim, um sim franco e sólido, um sim que expressa uma necessidade vital e, diria, visceral... Para mim, o Cristianismo não pode pensar-se sem o judaísmo... Minha fé cristã tem necessidade da fé judia”.
Este Cardeal da Igreja Católica, que se declara “longe de toda teologia cristianizante do judaísmo”, descobre que os cristãos para crer em Cristo necessitamos a ajuda dos judeus, que não crêem n’Ele. Prodigiosa conciliação dos opostos. Os irmãos Ratisbona, os irmãos Lémann, Herman Cohen, Eugenio Zolli e outros judeus notáveis conversos à Igreja de Cristo não alcançaram conhecer esse princípio. Quantos séculos perdidos em polêmicas e lutas estéreis. “Paz, paz, paz” (Jeremias 4, 10; 6, 14; 8, 11; Ezequiel 13, 10). Conciliação por fim. Que bom.
Relação da Igreja com o mundo moderno. O Cardeal Cottier, no artigo antes citado, faz observações muito valiosas sobre a história do mundo como história de graça; sobre a distinção entre a Igreja, que é sempre una, e as diversas formas de cristandade; sobre a continuidade tradicional das declarações conciliares Dignitatis Humanae e Nostra aetate, etc. Mas há um par de idéias em sua exposição que não ficam claras. As exponho.
- “Entre as razões de muitas dificuldades presentes nas relações entre a Igreja e a ordem mundana temporal registradas nas idades moderna e contemporânea, encontramos também esta: em alguns casos, ante as reviravoltas da história e a consolidação de novas estruturas culturais, sociais e políticas, em alguns ambientes cristãos, o único critério de avaliação passou a ser a maior ou menor conformidade dessas estruturas aos modelos que tinham sido dominantes nos séculos anteriores, quando a unanimidade de matriz cristã da sociedade civil acabava por plasmar ou pelo menos influenciar também as ordens políticas e sociais... Com o tempo, as concepções talvez tenham-se enrijecido numa condenação global do moderno, quando, a partir da Revolução Francesa, a ordem constituída já não se concebeu nem nominalmente nem de fato como ordem social cristã”.
Talvez se dêem alguns casos como os aludidos pelo Sr. Cardeal; mas eu, ao menos, não conheço nenhum. Os católicos que denunciamos e combatemos as atrocidades sociais, culturais e políticas do mundo moderno não o fazemos movidos por nostalgias dos modelos concretos que dominavam em tempos de Cristandade, que são irrepetíveis modos passados, mas por nostalgia de um tempo no que Cristo Rei, seu Evangelho, era a luz e a força predominante na configuração do pensamento e da moral, da sociedade e a cultura, da filosofia, da política, da arte. Nós queremos combater e vencer à um mundo fechado ao reconhecimento de Deus e da ordem natural, e fechado conseqüentemente em um naturalismo liberal e relativista, que destrói aos homens e às nações. Segue o senhor Cardeal.
- “A atitude de se posicionar de modo apriorista em conflito aberto com os contextos políticos e culturais dados não pertence, de per si, à Tradição da Igreja. É, isto sim, uma conotação recorrente nas heresias de raiz gnóstica, que impelem o cristianismo a uma posição preconceituosamente dialética em relação aos ordenamentos mundanos, e interpretam a Igreja como um contra-poder em relação aos poderes, às instituições e aos contextos culturais constituídos no mundo... Nas relações entre a Igreja e o mundo moderno manifestou-se diversas vezes esta tentação: o impulso a conceber a Igreja como força antagonista da ordem política e cultural que, depois da Revolução Francesa, já não se apresentava como ordem cristã”.
Não somos gnósticos necessariamente os católicos que, efetivamente, rechaçamos os contextos políticos e culturais que nos rodeiam. Os impugnamos a posteriori, vendo as perversões que estabelecem, fomentam e financiam. Mas, sim, também se pode dizer que os contradizemos a priori, pois estamos certos de que um âmbito político que se fecha sistematicamente à Deus e à ordem natural, e deixa a vida de um povo à mercê unicamente dos votos majoritários manipulados, necessariamente tem de causar enormes destroços nos homens e nas nações.
Igreja militante. Deixando de lado os católicos gnósticos aludidos pelo Cardeal Cottier, nós católicos devemos nos ater à doutrina bíblica e aos ensinamentos da Igreja, que, por exemplo, no Concílio Vaticano II afirma que “um duro combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito, toda a história humana; começou no princípio do mundo e, segundo a palavra do Senhor, durará até ao último dia” (Gaudiumet Spes, 37). Nessa enorme e incessante batalha necessariamente “os filhos da luz” combatemos contra “os filhos do século” (São Lucas 16, 18), como “força antagonista” dos poderes mundanos do Anticristo. Nos revestimos “da armadura de Deus”, tanto para nos defender deles e das insídias do diabo, como para convencer aos mundanos da verdade e do bem (Efésios 6, 10-20). Deste modo os cristãos, em meio “desta geração má e perversa, temos de aparecer como luzeiros no mundo, levando no alto a palavra de vida” (cf. Filipenses 2, 15).
É clássica a divisão dos estados da Igreja em militante, purgante e triunfante. O termo militante é geralmente evitado, mas é preciso reconhecer que a Escritura, a Tradição, o Magistério e a mesma história da Igreja lhe dão sobreabundante fundamentação.
Atualmente, quando se trata da Igreja e do mundo, predomina a idéia de conciliação, diálogo, encontro, etc., e por isso fala-se mais de Igreja peregrina, a dos cristãos viatores, que estão in via, expressão que também tem sólidos fundamentos.
Nós cristãos, fortalecidos por Nosso Senhor Jesus Cristo, participamos de Seu combate e de Sua vitória.
“No mundo tereis aflições; mas tende coragem: Eu venci o mundo” (São João 16, 33). O venceu porque o combateu, especialmente com a espada da verdade. E também nós, seus discípulos, lutamos com todas nossas forças, com a oração e a ação, animados por uma firme esperança, pois conhecemos com certeza, como já vimos em anteriores artigos (19-21), que a vitória total e definitiva se produzirá na segunda vinda gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas embora tanto... o Anticristo mantêm cativo baixo seu influxo tudo o que no mundo há de mentira e de pecado. Cristo chama ao Inimigo diabólico “príncipe deste mundo” (São João 12, 31). E o apóstolo João chega à dizer, ao modo semítico, que “o mundo inteiro está em poder do Maligno” (I São João 5, 19).
“Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. Porque tudo o quê há no mundo – a concupiscência humana, a cobiça dos olhos e a ostentação da riqueza – não vem do Pai, mas do mundo. Ora, o mundo passa, e também a sua cobiça; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (I São João 2, 15-17).
Nós católicos somos de Cristo, não somos do mundo. Nós cristãos queremos desenganar aos homens do mundo, para que, liberados pela verdade e a graça de Deus, fiquem livres dos pensamentos e caminhos do diabo, escapem do “poder das trevas” (São Lucas 22, 33), e já neste mundo temporal, antes que chegue a Parusia, sigam à Cristo, que os “chama das trevas à Sua luz admirável” (I São Pedro 2, 9). E para colaborar com o Senhor nesta obra grandiosa, nós cristãos não somente empregamos a ação evangelizadora, mas também, de um modo ou de outro, segundo tempos e circunstâncias, a atividade política organizada, cumprindo assim as exortações da Igreja, concretamente do Vaticano II:
que “pela união das próprias forças, devem os leigos sanear as estruturas e condições do mundo, se elas porventura propendem a levar ao pecado, de tal modo que todos se conformem às normas da justiça e antes ajudem ao exercício das virtudes do que o estorvem” (LúmenGentium, 36c). Isto de que se organizem, etc. é algo que o diabo trata de impedir por todos os meios, e encontra muitas ajudas. E quanto aos ambientes do mundo que incitam ao pecado, é óbvio, especialmente nas nações descristianizadas e apóstatas – corruptio optimi péssima -, que realmente o mundo é Escola de pecado. Por isso, segue dizendo o Concílio, os leigos têm de entregar suas vidas para “imprimir a lei divina na vida da cidade terrestre” (Gaudium etSpes, 43), e “para instaurar a ordem temporal de forma que se ajuste aos princípios superiores da vida cristã” (AA7).
Fonte: Reforma o apostasía
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