"As obras de Suas mãos são verdade e justiça; Imutáveis os Seus preceitos; Irrevogáveis pelos séculos eternos; Instituídos com justiça e eqüidade." - Salmo 110, 7-8

sábado, 23 de julho de 2011

Filo-lefebvrianos IV

Nos comentários dessa postagem do Pe. Iraburu, há um link que mostra o que acontece com quem não está com Roma. Ficam se degladiando para ver quem é mais tradicional, e isso acabará como, por exemplo, a sedevacante Fraternidade São Pio V.

Pe. José María Iraburu
Uma breve evocação da história da Igreja em seu último meio século nos ajudará a entender melhor a posição de Mons. Lefebvre, da FSSPX e daqueles que hoje estão mais ou menos de acordo com eles.

O Sagrado Concílio Vaticano II, convocado pelo beato João XXIII, foi uma imensa graça de Deus para Sua Igreja (1962-1965), como todos os Concílios anteriores. Nele Nosso Senhor Jesus Cristo reuniu em assembléia eclesial 2.500 Padres. Foi com grande diferença o Concílio mais numeroso da história. E partindo dos Concílios anteriores, muitos deles dogmáticos, tratou com uma finalidade predominantemente pastoral e renovadora as grandes realidades da Igreja Católica.

É bem sabido que havia entre os padres conciliares, como em tantos outros Concílios anteriores, tendências doutrinais e pastorais fortemente contrapostas. O grupo liberal, conduzido por alguns Cardeais, como Bea, Alfrink, Willebrands, estava apoiado principalmente por bispos centro-europeus e franceses. E do outro lado, o grupo tradicional, dirigido por Cardeais como Siri e Ottaviani e pelo Coetus Internacionalis Patrum, presidido pelo Arcebispo Lefebvre, teria o apoio da Itália, Espanha e Hispanoamérica, assim como não poucas Igrejas de recente nascimento. O primeiro grupo era minoritário, mas sumamente organizado e apoiado por teólogos progressistas de renome e pela imprensa mundial. O segundo, pouco organizado e muito menos eficiente nas mídias, mas sumamente lúcido e valente, conseguiu contudo o apoio da maioria dos Padres. E em alguns casos foi o Papa Paulo VI que, com intervenções pessoais, "confirmou na fé" seus irmãos. Damos graças à Deus.

O Concílio se promulga com um grande acordo dos Padres. Todos os documentos, inclusive os mais discutidos, como o da liberdade religiosa, são firmados pela Assembléia conciliar, também por Mons. Lefebvre, com unanimidade quase total. É evidente que todos os Padres conciliares estão convencidos de que o XXI Concílio ecumênico guarda plena fidelidade e continuidade com a doutrina dos XX Concílios anteriores. Não tivessem firmado se não cressem assim. E todos sabem bem que se o ensinamento conciliar em alguma questão concreta deu lugar à uma interpretação duvidosa, esta haverá de elucidar-se atendendo sempre os ensinamentos já anteriormente estabelecidos com maior claridade e firmeza pela Santa Madre Igreja. Faço notar também que os Padres aprovaram unânimes os ensinamentos do Vaticano II, não as falsificações doutrinais que em seguida se difundiriam em seu nome.

Convém ter em conta, por outra parte, que na história da Igreja o Concílio Vaticano II é o único que foi produzido como documento final um grosso livro de 700 ou 1.000 páginas. E em um escrito tão sumamente largo não faltam certos textos nascidos como resultantes de forças conciliares duramente contrapostas.
Esta circunstância real, e o uso de uma linguagem às vezes mais literária e retórica, que teológica e precisa, dá lugar à algumas expressões confusas, imprecisas e inclusive falsas, se se tomam em sua literalidade e fora de contexto - que não se deve fazer - (Reforma o apostasía 24), e que necessitam ser aclaradas em atos posteriores do Magistério apostólico, como assim têm suscedido, concretamente em discursos pontifícios e Encíclicas pós-conciliares. Em seguida volto nisso.

A falsificação das doutrinas do Vaticano II começou durante sua mesma celebração, e se multiplicou grandemente no pós-concílio. A minoria liberal aludida, através de muitos teólogos progressistas e com a cumplicidade de quase toda a imprensa mundial, difundiram durante o Concílio e ainda mais depois dele uma versão neo-modernista dos documentos conciliares, que muitos católicos - sem ter lido os documentos conciliares ou tendo lido - receberam como a autêntica doutrina conciliar. De fato, teólogos como Küng e Schillebeeckx, tendo-se à si mesmos como teólogos realmente fiéis ao Vaticano II, difundiram em seu nome não poucas heresias.

O erro radical de Mons. Lefebvre e de seus seguidores foi acusar ao Concílio Ecumênico Vaticano II e aos Papas que o seguiram como causas principais do ressurgimento muito forte, sobretudo no Ocidente descristianizado, de um neomodernismo extremo, que difunde no povo cristão justamente o contrário do que o Concílio ensina: "Roma quebrou com a Tradição, caiu na heresia e na apostasia".

É certo que os erros e horrores havidos dentro da Igreja depois do Concílio, sobretudo no Ocidente descristianizado, foram e são inumeráveis. Muitos deles têm sido  indicados e combatidos neste mesmo blog Reforma o apostasía, todavia inacabado.
Assinalo a continuação entre parênteses o número de artigos deste blog.

Nos decênios pós-conciliares, e até hoje, muitas verdades fundamentais da fé se vêem frequentemente negadas ou silenciadas (22-23), como a soteriologia, salvação-condenação (08-09), a existência do demônio (16-17), a grande batalha permanente entre o Reino e o mundo (19-21). Por aqueles anos a Revolução sexual fez estragos não somente no mundo, mas também no povo cristão. A grande encíclica Humanae Vitae se viu em 1968 amplamente resistida, inclusive por algumas Confrências episcopais. Diminuiu bruscamente a natalidade ao generalizar-se o uso dos métodos anticonceptivos. Se multiplicaram as secularizações de sacerdotes e religiosos, e diminuiram também bruscamente as vocações sacerdotais e religiosas, até quase desaparecer em algumas igrejas locais. Cessou em grande medida a ação apostólica e a evangelização nas missões (13). Se difundiram inúmeras doutrinas heréticas ou gravemente desviadas (39, 51-65, 76-79). Foram poucos os teólogos ortodoxos que as combateram (42-43), e ao mesmo tempo o exercício da Autoridade apostólica se fez débil em não poucas Igrejas (40-41): as reprovações dos erros heréticos e dos abusos sacrílegos foram às vezes lamentavelmente tardias (45-47), e a linguagem católica se foi fazendo obscura e débil (24-32). Nasceram, como novas heresias, formas extremas de feminismo, de liberacionismo e de um indigenismo às vezes acentuadamente nacionalista (49-50). O desprezo luterano pela Lei eclesiástica fez-se mentalidade às vezes predominante em pastores e leigos (80-94). Diminuiu em grande medida o ensinamento da doutrina política da Igreja (95-125), concretamente aquela doutrina anti-liberal que , por exemplo, o Cardeal Pie difundiu com lucidez (33-38), e que foi substituída em boa parte de Pastores, teólogos e leigos por uma mentalidade liberal secularista, que eliminou quase totalmente a atividade política dos católicos (95-125).

Podemos afirmar, pois, com a segurança da fé, ante tantas degradações da fé e da vida cristã, o Espírito Santo, alma da Igreja, renovador da face da terra, clama hoje no coração de muitos católicos reforma ou apostasia! (01-07). Tudo isso é certo.

Mas acusar o Concílio Vaticano II desses enormes males é uma grande falsidade, uma calúnia, e é uma ofensa ao Espírito Santo, que assistiu com Sua luz e Sua graça ao Papa e aos 2.500 Padres conciliares, como havia ajudado nos XX Concílios anteriores. Muitas vezes é falso o adágio post hoc, ergo propter hoc: isto sucedeu depois daquilo, logo aquilo é causa de isto.

A apostasia do Ocidente rico se inicia muito antes do Vaticano II, com o Renascimento, o protestantismo, o iluminismo, o liberalismo, a Revolução Francesa, a maçonaria, o catolicismo liberal, o modernismo, o comunismo, a revolução sexual,  maio de 1968, e se acentua fortemente quando as nações do Ocidente, havendo alcançado uma prosperidade e riqueza estáveis, e já em grande parte recuperadas dos enormes estragos produzidos pela II Guerra Mundial, decidem "adorar a criatura, em lugar do Criador, que é bendito pelos séculos" (Romanos 1, 25). E ao passo dos anos, esta apostasia secularista se difunde mais ou menos pelas outras igrejas irmãs do mundo.
Já desde então se inicia o colapso de não poucas Igrejas do Ocidente rico. A imensa maioria dos batizados se mantêm longe da Eucaristia, longe, pois, de Cristo e da Igreja. Já a grande maioria dos matrimônios católicos admite a anticoncepção sem problemas de consciência, e a pratica sempre que a estima conveniente. Já nestas nações apenas há vocações. Já os pensamentos e caminhos do mundo são os pensamentos e caminhos da maior parte dos batizados. Todos esses são dados certos, objetivos, comprováveis. Mas atribuir ao Concílio Vaticano II este arruinamento tão grave da Igreja no Ocidente é um enorme erro.

Os erros modernos dos últimos cinqüenta anos não foram derivados dos textos conciliares. Olhem, por exemplo, os erros reprovados pela Congregação da Fé mediante severas Notificações  - Küng, Schillebeeckx, De Mello, Haight, Sobrino, etc. - e nunca encontraram fundamento para eles em textos do Vaticano II. Estes e tantos outros mestres do erro se qualificam desavergonhadamente como teólogos verdadeiramente fiéis "ao Concílio"; mas curiosamente não o citam nunca: se atêem ao "espírito do Concílio", que não está "editado" todavia, e que consiste somente em suas próprias idéias. Pelo contrário, os escritores católicos tradicionais, a saber, os católicos, não temos cessado de citar milhões de vezes durante meio século os textos do Vaticano II e as encíclicas dos Papas pós-conciliares.

A hermenêutica da continuidade tradicional da doutrina católica vem a ser um tema central da pregação de Bento XVI desde o começo mesmo de seu pontificado (22/12/2005, 26/05/2009). E nela já havia insistido João Paulo II, concretamente na ocasião muito grave do motu proprio Ecclesia Dei (02/07/1988).

É preciso "chamar a atenção dos teólogos e outros especialistas em ciências eclesiásticas, para que também se sintam interpelados" em ordem a "um novo empenho de aprofundação, em que se clarifique plenamente a continuidade do Concílio [Vaticano II] com a Tradição, sobretudo nos pontos doutrinais que, talvez por sua novidade, ainda não tem sido bem compreendido por alguns setores da Igreja" (n. 5, b).

Credo in Ecclesiam. A Igreja Católica, a que permanece em plena comunhão com seus bispos e o Papa, guarda sempre a verdade e os meios de santificação. Não é preciso distanciar-se da unidade da Igreja com atos cismáticos para reafirmar as verdades católicas e combater os erros e abusos que nela podem dar-se, pois Ela mesma tem poder no Espírito Santo para vencê-los. Muito ao contrário sucede fora da Igreja Católica: os erros monofisitas, por exemplo, do abade Eutiques (+454) podem perpetuar-se durante séculos, até hoje, em confissões cristãs separadas de Roma. Mas isso não pode suceder na Igreja católica, porque ela é "a Igreja de Deus vivo, a coluna e o fundamento da verdade" (I Timóteo 3, 15). Poderá talvez tardar a Igreja um tempo largo ou curto em vencer erros e abusos - o arianismo, a simonia -, mas sempre, auxiliada por Cristo, seu Esposo, acaba por vencê-los. Poderá guardar silêncios alarmantemente prolongados - como hoje, por exemplo, sobre a doutrina política católica (97-98, 100-105) -; mas já o Senhor da história lhe dará palavras quando Ele o quiser. Oremos e esperemos com paciência. A Igreja ensina quando fala, não quando cala.
No tempo pós-conciliar os erros doutrinais e os abusos disciplinares, morais e litúrgicos têm sido denunciados desde de dentro da Igreja Católica, embora não tanto, certamente, como fora desejável. Fazer uma lista de nomes para demonstrar o que digo resulta praticamente impossível; mas citarei só alguns exemplos, os primeiros que me vêem à mente. Autores leigos, como Von Hildebrand, Maritain ao final de sua vida, Francisco Canals, Messori, Weigel, Ricardo de la Cierva, Woods, deram com grande força testemunho da verdade, frente à heresias e abusos: e nunca faltaram à Igreja homens como eles. Também fizeram o mesmo bispos e teólogos como Siri, Ottaviani, González Martín, Fabro, Mondin e tantos mais: e nunca faltaram à Igreja homens como eles. Inclusive teólogos católicos, que em algumas questões se haviam mostrado anteriormente próximos à teses progressistas, como o Pe. Henri de Lubac, S. J., já estavam dando vozes de alarme dois anos depois do Vaticano II:

"Está bem claro que a Igreja se enfrenta com uma grave crise. Com o nome de "a Igreja nova", "a Igreja pós-conciliar", se está tratando agora de estabelecer uma Igreja distinta da de Jesus Cristo: uma sociedade antropocêntrica ameaçada pela apostasia imanentista, um deixar-se arrastar por um movimento de abdicação geral sob pretexto de renovação, ecumenismo ou adaptação" (disc. na Universidade de Toronto, 08/1967: cit. Temoignage Chrétiene, Paris 09/1967)

Mas têm sido os Papas pós-conciliares os testemunhos mais firmes da verdade católica, e que têm combatido com mais força os erros e males da Igreja presente. Podemos apreciá-lo, por exemplo, em algumas questões graves.

- A verdade católica da Eucaristia, por exemplo, tão gravemente falsificada nos últimos tempos, também entre autores "católicos", tem encontrado em sua mais firme defesa na doutrina eucarística dos Papas pós-conciliares. Contra os que negavam o caráter sacrificial da Missa, Paulo VI afirma com a força de Pedro: "Nós cremos que a Missa...é realmente o sacrifício do Calvário, que se faz sacramentalmente presente em nossos altares" (Credo do Povo de Deus, 1968, 24; cf. Mysterium fidei, antes, em 1965). João Paulo II dá ao sacrifício a primazia teológica para a compreensão do Mistério (Ecclesia de Eucharistia, 2003, 11-16). Bento XVI afirma que na Eucaristia "se faz presente o sacrifício redentor de Cristo" (Sacramentum caritatis, 2007, 14; cf. 9-14).

- A santidade do matrimônio e a luta contra a contracepção, tal como a ensinaram Pio XI (Casti Cannubiii, 1930) ou Pio XII, foram largamente impulsionadas pelos Papas do pós-concílio. Não temeram enfrentar-se com meio mundo e com o outro meio, e também com uma boa parte da Igreja (Humanae Vitae, 1968; Familiaris Consortio, 1981; Catecismo, 1993).

- As missões da Igreja e a unicidade de Cristo como Salvador universal são também verdades de fé que os últimos Papas defenderam com grande força contra inumeráveis heresias difundidas dentro da Igreja (Evangelii nuntiandi, 1975; Redemptor hominis, 1979; Redemptoris missio, 1990; Dominus Iesus, 2000).

E assim poderíamos ir recordando formidáveis documentos do Magistério apostólico, que tem vindo a formar na Igreja de nosso tempo um Corpus doutrinal tão amplo e harmonioso como não houve em nenhuma época de sua história. Cum Petro et sub Petro, cumpre a Igreja Católica e seguirá cumprindo a promessa de Cristo: "o Espírito Santo os conduzirá até a verdade completa" (São João 16, 13).

Nos decênios do pós-concílio os diagnósticos mais graves e autorizados dos males da Igreja atual os temos encontrados sempre nos Papas. Nunca tentaram ignorar, negar ou diminuir a gravidade dessas infidelidades. Os Papas sabem que em algumas igrejas locais, ao menos em seus níveis mais altos, abundam mais as heresias e os sacrilégios que a ortodoxia e a ortopraxis. E em ocasiões expressam essa realidade tremenda com absoluta claridade. Recordarei alguns textos.

- Paulo VI, já em sua primeira Encíclica, Ecclesiam Suam (1964), dá um forte alarme sobre o modernismo renascente (nº 10). E após o término do Concílio reconhece e expressa com toda claridade a degradação eclesial que se vai produzindo aceleradamente, sobretudo nas Igrejas locais do Ocidente rico. São os anos, por exemplo, do Catecismo Holandês e do Concílio Pastoral de Holanda (1967-1969), os anos da vergonhosa resistência à sua heróica Encíclica Humanae Vitae (1968), os decênios da avalanche de secularizações...Seu diagnóstico é lúcido, grave e realista. E humilde também: o pastor reconhece que os lobos entraram no rebanho que o Senhor confiou à seu cuidado, e que estão fazendo nele estragos.

No discurso de abertura da II Conferência Geral do episcopado latino-americano (CELAM), celebrada em Medelín, Paulo VI põe em alerta aos bispos iberoamericanos com gravíssimas palavras: "A fé está assediada pelas correntes mais subversivas do pensamento moderno. A desconfiança que, inclusive nos ambientes católicos, se tem difundido acerca da validez dos princípios fundamentais da razão, ou seja, de nossa philosophia perennis, nos tem desarmado frente aos assaltos, não raramente radicais e capciosos, de pensadores de moda; o vacuum produzido em nossas escolas filosóficas pelo abandono da confiança nos grandes mestres do pensamento cristão, é ocupado frequentemente por uma superficial e quase servil aceitação de filosofias de moda, muitas vezes tão simplistas quanto confusas, e estas têm sacudido nossa arte normal, humana e sábia de pensar a verdade; estamos tentados de historicismo, de relativismo, de subjetivismo, de neopositivismo, que no campo da fé criam um espírito de crítica subversiva, uma falsa persuasão de que para atrair e evangelizar aos homens de nosso tempo temos que renunciar ao patrimônio doutrinal , acumulado durante séculos pelo Magistério da Igreja, e de que podemos modelar, não em virtude de uma melhor claridade de expressão, mas de uma mudança de conteúdo dogmático, um cristianismo novo, à medida do homem e não à medida da autêntica Palavra de Deus. Desafortunadamente, também entre nós, alguns teólogos não sempre vão pelo reto caminho" (Bogotá, 24/08/1968).
E nesses anos repetiu as mesmas advertências: "A Igreja se encontra em uma hora inquieta de autocrítica ou, melhor dizendo, de autodemolição. É como um inversão aguda e complexa, que ninguém havia esperado depois do Concílio. A Igreja está praticamente golpeando a si mesma" (07/12/1968). "Por alguma fresta se introduziu a fumaça de Satanás no templo de Deus" (29/06/1972; cf. o amplo discurso posterior sobre o demônio, 15/11/1972). É lamentável "a divisão, a desagregação que, por desgraça, se encontra em não poucos setores da Igreja" (30/08/1973). "A abertura ao mundo foi uma verdadeira invasão do pensamento mundano na Igreja" (23/11/1973). Sugerir que é o mesmo Paulo VI o que com suas reformas litúrgicas e outros atos pontifícios acrescenta na Igreja "a fumaça de Satanás" é uma baixeza inqualificável.


- João Paulo II, no mesmo espírito, declara em um discurso no Congresso de Missionários Populares (06/02/1981): "É necessário admitir realisticamente e com profunda e sentida sensibilidade que os cristãos hoje, em grande parte, sentem-se perdidos, confusos, perplexos e até desiludidos. Foram divulgadas prodigamente ideais contrastantes com a Verdade revelada e desde sempre ensinada; foram difundidas verdadeiras heresias, em campo dogmático e moral, criando dúvidas, confusões e rebeliões; alterou-se até a Liturgia; imersos no "relativismo intelectual e moral e por conseguinte no permissivismo, os cristãos são tentados pelo ateísmo, pelo agnosticismo, pelo iluminismo vagamente moralista, por um cristianismo sociológico, sem dogmas definidos e sem moral objectiva." (06/02/1981).

- Bento XVI, sendo todavia Cardeal Prefeito da Congregação da Fé, em seu livro Informe sobre a fé (BAC, Madrid 1985), faz amplas e minuciosas análises de situação que levam à diagnósticos iguais. E um mês antes de ser constituído Papa, presidindo a Via-Sacra no Coliseu de Roma, em substituição à João Paulo II, impossibilitado, disse:

"Meditação [na 9ª estação]. E que dizer da terceira queda de Jesus sob o peso da cruz? Pode talvez fazer-nos pensar na queda do homem em geral, no afastamento de muitos de Cristo, caminhando à deriva para um secularismo sem Deus. Mas não deveríamos pensar também em tudo quanto Cristo tem sofrido na sua própria Igreja? Quantas vezes se abusa do Santíssimo Sacramento da sua presença, frequentemente como está vazio e ruim o coração onde Ele entra! Tantas vezes celebramos apenas nós próprios, sem nos darmos conta sequer d’Ele! Quantas vezes se contorce e abusa da sua Palavra! Quão pouca fé existe em tantas teorias, quantas palavras vazias! Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta auto-suficiência! Respeitamos tão pouco o sacramento da reconciliação, onde Ele está à nossa espera para nos levantar das nossas quedas! Tudo isto está presente na sua paixão. A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa o coração. Nada mais podemos fazer que dirigir-Lhe, do mais fundo da alma, este grito: Kyrie, eleison – Senhor, salvai-nos (cf. São Mateus 8, 25). 

Oração. Senhor, muitas vezes a vossa Igreja parece-nos uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos os lados. E mesmo no vosso campo de trigo, vemos mais cizânia que trigo. O vestido e o rosto tão sujos da vossa Igreja horrorizam-nos. Mas somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que Vos traímos sempre, depois de todas as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos. Tende piedade da vossa Igreja: também dentro dela, Adão continua a cair. Com a nossa queda, deitamo-Vos ao chão, e Satanás a rir-se porque espera que não mais conseguireis levantar-Vos daquela queda; espera que Vós, tendo sido arrastado na queda da vossa Igreja, ficareis por terra derrotado. Mas, Vós erguer-Vos-eis. Vós levantastes-Vos, ressuscitastes e podeis levantar-nos também a nós. Salvai e santificai a vossa Igreja. Salvai e santificai a todos nós. Pater Noster [...] libera nos a malo. Amen. (25/03/2005)"

Uma barca que está afundando...Um campo com mais cizânia que trigo...O Colégio de Cardeais da Igreja Católica, em 19 de abril de 2005, um mês depois que o Cardeal Ratzinger dissera em público essas palavras tremendas, o elegeu Papa, Vigário de Cristo, Sucessor de Pedro, pensando que era o Bispo mais indicado para tomar o timão da Barca de Pedro.

"Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam, et portae inferi non praevalebunt adversus eam" (São Mateus 16, 18). A Igreja recebe continuamente a salvação do Salvador. E os textos que tenho recordado nos confirmam o que já desde o princípio sabíamos pela fé, Credo in Ecclesiam: que a Igreja tenha sempre, por obra do Espírito Santo, força para vencer no mundo e em si mesma o erro e o pecado
É possível que não o consiga imediatamente, mas finalmente sempre é alçada pelas mãos de seu Esposo, Nosso Senhor Jesus Cristo. Sempre o Espírito Santo a sustenta na verdade católica quando se cambaleia. Nunca deixa de ser a Mater et Magistra, que nos salva do erro e do pecado, santificando-nos com a verdade e a graça de Cristo.

A Igreja Católica, também depois do Vaticano II, tem florescido em maravilhas de graça e de santidade. Não só tem conhecido a proliferação de erros e horrores, nos que me tenho fixado especialmente para responder aos acusadores filolefebvrianos. Pelo contrário, quantos bispos e párocos, oprimidos com frequência por situações esmagadoras de descristianização, tem seguido entregando suas vidas com amor incessante ao serviço de Cristo e de Sua Igreja, "gastando-se e desgastando-se pelas almas até o esgotamento" (2 Coríntios 12, 15). Quantas pessoas consagradas têm vivido enclausuradas em oferenda permanente de louvor e de súplica.
Quantas obras de heróica beneficência multiforme têm florescido na árvore da Igreja. Quantos institutos religiosos e movimentos de leigos se tem renovado ou tem nascido nestes decênios...Cito somente alguns, não os maiores, que me são especialmente conhecidos e queridos, Schola Cordis Iesu, Siervos del Hogar de la Madre, Instituto Mater Dei, Siervos de los Pobres del tercer mundo, Miles Christi, Schola Veritatis...

Quantas pessoas e obras santas tenho conhecido em meio século. Carmelitas descalças...Se diria que, por uma misteriosa correspondência, aos abismos do mal que o Senhor permite responde levantando montanhas de graça e santidade. Quem poderá convencer-me de que esta não é já a Igreja Católica? E que a Missa que celebramos centenas de milhares de bispos e sacerdotes, segundo o Novus Ordo promulgado por Paulo VI, é herética, ou ao menos conduzente à heresia, e certamente evitada?...Dá vontade de chorar, de pena e de gratidão.

Jamais deve contrapor-se uma "Roma eterna" e uma "Roma temporal", à de hoje. Jamais deve condenar-se a Igreja como "apóstata e adúltera". Jamais é lícito distanciar-se dela por atos cismáticos, como se estes fossem imprescindíveis para poder salvar "a continuidade da Igreja" na verdade e na santidade. Jamais devemos contrapôr à Igreja de Cristo - à esta Igreja, não há outra -, uma "Roma eterna", que não tem mais realidade que a de um ectoplasma.
Fazê-lo é absolutamente contrário à Tradição eclesial dos Padres e dos santos. Jamais devemos voltar a espada à nossa madre Igreja, apesar de suas feridas infectadas e as sujeiras de sua túnica. Ela é a fonte inesgotável da verdade e da graça. Jamais devemos ter vergonha da Igreja existente, porque é o único Corpo de Cristo, integrado por santos e pecadores (Lúmen Gentium 8c, Gaudium et Spes 43f). Jesus nos disse, referindo-se também à seu próprio Corpo: "Bem-aventurado aquele que não se escandaliza de mim!" (São Mateus 11, 6).

- Mons. Lefebvre, pelo contrário, com ocasião dos erros e horrores pós-conciliares foi se escandalizando cada vez mais do Concílio, dos Papas, da Liturgia renovada. E disse coisas terríveis, que seus seguidores seguem difundindo em livros e sites de internet: "a Roma eterna condena a Roma temporal. Por isso preferimos a eterna" na FSSPX (Tissier 494)..."Roma tem perdido a fé, Roma está na apostasia" (577)..."Não se pode seguir à essa gente, é a apostasia...Procedamos a consagração" de bispos (578). "La Chaire de Pierre et los postes d'autorité de Rome étant occupés par des antichrists, la destruction du Règne de Notre-Seigneur se porsuit rapidement" (578) [1]..."La situation de la papauté depuis Jean XXIII et ses successeurs pose des problèmes de plus en plus graves...Ils fodent une Église conciliaire nouvelle...Cette Église est-elle encore apostolique et encore catholique?...Devons-nous encore considérer ce pape comme catholique?" (569) [2].

Já se vê que, com o favor de Deus, terei que escrever outro artigo.
José María Iraburu, sacertode

Tradução dos textos em francês:
[1] Como a Sede de Pedro e os postos de autoridade de Roma estão ocupados por anticristos, a destruição do Reino de Nosso Senhor avança aceleradamente...
[2] A situação do papado a partir de João XXIII e seus sucessores vai elevando problemas cada vez mais graves...Esses fundaram uma Igreja conciliar nova...Esta Igreja é todavia católica e apostólica?...Devemos considerar que este Papa é católico?

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