Era  mais ditosos os ateus de antanho! Aqueles da época em que a  Cristandande cobria o mundo com a sua sombra terrivelmente benévola, que  remetia os homens ou à perfeita felicidade ou a suma dor em que  consistiam o céu e o inferno — o prêmio e o castigo divinos. Mesmo  grandes cristãos, como por exemplo Santo Anselmo, jamais conseguiriam  conceber em seu tempo um ateísmo brutal como o que hoje fornece o pano  de fundo das sociedades: o ateísmo de homens para quem o simples  conceito de Deus e de religião é absurdo, uma superstição social a ser  atacada de todas as formas, uma fantasia a ser reprimida com vigor, uma  idéia a ser colocada à margem das leis. A propósito, no Proslogium, obra em que compôs o famoso argumento depois chamado de “ontológico” por Kant,  Santo Anselmo supunha que a simples menção do nome de “Deus” levava  todos, inclusive os ímpios, a pensar no ser acima do qual nada pode ser  pensado (nihil maius cogitari potest)*. 
O ateísmo, qualquer que seja a sua forma, traz embutida uma conclusão que, na prática, é o cume de um processo racional mal formulado.  Não se conhece nenhuma teoria atéia que não possua um grande erro  filosófico em suas premissas básicas, em geral fruto de uma atitude  prévia de negação. A propósito, o cardeal Louis Billot, referindo-se a ateus adultos, distinguia entre adulti ætatis e adulti rationis:  os primeiros são os que carecem de luzes intelectuais mínimas para sair  de sua situação e conceber um adequado conceito de Deus, razão pela  qual a sua ignorância é quase invencível; os segundos são os  propugnadores do ateísmo teórico. Somente estes últimos podem ser  considerados propriamente culpáveis, segundo Billot. E o podem porque  cegaram a inteligência com erros apaixonados que poderiam muito bem ser  evitados.
Cornelio Fabro, por sua vez, afirma em L’Uomo e il rischio di Dio  que a pretensão da etnologia materialista e evolucionista de colocar,  no princípio da história, um homem sem religião ou um politeísta foi  desmentida por vários estudos sérios do último quartel do século XX, que  descobriram o seguinte: as formas mais primitivas de religião são monoteístas, sendo o politeísmo um fenômeno degenerativo do monoteísmo originário,  e o ateísmo simplesmente inexistente ou, na melhor das hipóteses, uma  reação às absurdidades ou inconveniências das práticas politeístas. 
Em suma, o ateísmo jamais representa o movimento natural da alma humana na inquirição da natureza das coisas. Daí afirmar Aristóteles no livro que os medievais traduziram por De cælo et mundo (I,  3, 270b): “Os homens têm a profunda convicção de que os deuses  existem”. Podemos, a partir daí, trazer à luz outra verdade: “Não  existem povos sem religião”. 
O  ateísmo é na prática uma espécie de válvula de escape, uma fuga que  acaba por justificar determinadas formas de atuar no mundo. Em suma, para o ateu é psicologicamente confortável pensar que Deus não existe,  e a partir desta negação radical não apenas manter-se à margem dos  problemas éticos fundamentais e constitutivos da natureza humana, mas  também, por conseguinte, dar razões às suas imposturas perante o mundo.  Já muito se escreveu sobre a impossibilidade do ateu ético; foi preciso separar a ética da moral, após Kant, para minimizar o funesto antinaturalismo que está na gênese de todo ateísmo e conceber éticas sem nenhuma referência a Deus.
No  seio das sociedades sempre houve posturas de alguma maneira atéias, é  verdade. Mas nunca foram prevalecentes da forma como hoje o são.  Ademais, muitas vezes elas simplesmente confundiam-se com idéias  errôneas ou vagas a respeito de Deus, razão pela qual alguns estudiosos católicos — como o próprio Cornelio Fabro, acima citado — qualificaram  como formas de ateísmo as filosofias e religiões de fundo naturalista,  na Índia antiga: a filosofia samkhaya, o jainismo e o budismo em sua  forma originária, ou seja, antes de Buda ser “divinizado”; etc.
Para  o grego dos primórdios, a impiedade era punível com a pena capital;  para o judeu, representava a estupidez máxima que descambava em  idolatria; para o cristão, a desesperança, como diz São Paulo na Epístola aos Efésios. Mas para o homem contemporâneo, forjado no ceticismo e no materialismo anticristãos, a maior impiedade é crer. 
Na verdade, mais do que ateísmo, hoje o mundo vive uma espécie de antiteísmo. Deus é o grande fora da lei, razão pela qual as sociedades caminham para a mais retumbante dissolução civilizacional de que se tem notícia. 
*  Não custa dizer, a propósito, que essa suposição é o erro capital entre  as premissas do argumento anselmiano, fato que Santo Tomás aponta  dizendo o seguinte: houve pensadores no passado que pensaram ou creram  ser Deus matéria ou corpo (crediderint Deum esse corpus).  Em suma, não é verdadeiro que, ao pensar em Deus, de imediato o homem  conceba-o como o ser acima do qual nada pode ser pensado. É uma  pressuposição sem fundamento.
 

Um comentário:
Eu Te bendigo, ó Pai, (...) porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos» (Mt 11, 25).
Postar um comentário