Tive uma conversa com o presidente provisório dos Conservadores - CON, José Octavio Dettmann - que aliás, foi fruto de uma dúvida que tive, e perguntei à ele. E que acabou por ter sido muito proveitosa, fazendo com que eu queira compartilhar com todos.
José Octavio:"Uma coisa que aprendi em economia com o meu amigo é que toda importação no presente representa uma exportação futura, a longo prazo. Isso que está se fazendo em Portugal é um verdadeiro nacionalismo econômico, fruto de movimentos esquerdistas que tendem a adotar as idéias de List (que foi o redator da Nova Gazeta Renana antes de Marx). A desvantagem desse nacionalismo econômico, que é calcado no princípio do pleno emprego, é que o parque fabril não se atualiza e assim o produto nacional não conseguirá competir com o estrangeiro, no final os protecionistas pedirão mais protecionismo do Estado, tal como o pobre pede mais assistência ao governo pelo Bolsa Família. Além disso tem outro fator: se estamos num bloco econômico, o princípio da integração nacional se faz por livre comércio e moeda única. O problema é que a Europa é composta de povos diferentes, com origens diferentes. O grande cerne da questão é que a integração européia foi pensada de cima pra baixo, de maneira republicana - e nunca de baixo pra cima.
Sabe por quê o protecionismo é a maior falácia econômica? Porque se baseia no princípio de que a oferta vem sempre da demanda, quando na verdade a demanda vem sempre à frente da oferta. Uma empresa nacional só funcionará bem se atender bem a demanda. Do contrário, outras empresas atenderão a demanda. Logicamente, para diminuir os custos de frete, os empresários estrangeiros investirão no país. E uma das grandes gafes do protecionismo é restringir a entrada de capital estrangeiro.
Eu ouvi falar de que a idéia de blocos econômicos vinha de Karl Marx. Tem uma citação no Manifesto: "O Estado não pode tirar dos trabalhadores aquilo que não têm" (ou alguma coisa parecida). Mas vendo como está sendo feito no Mercosul e vendo como está a União Européia, parece ser fora de dúvida que isso é uma sandice marxista."
Sara: É basicamente Portugal ter se aprimorado na comercialização, sem ter sua tradição, seus valores degradados.
José Octavio: "As bases da teoria da nacionidade que escrevo podem ser vistas a partir da biografia do próprio Kalergi. Ele é um aristocrata, assim como eu, que sou um dos que mais defendo a importância da nobreza, do ponto de vista histórico.
E quem degradou os valores morais foi o absolutismo dos Avis. D. João II era um tirano. Ele dizia: "Eu sou o senhor dos senhores, não o servo dos servos".
Foram os Avis que levaram a expansão marítima à uma projeção de poder nacional. A cobiça dos Avis contaminou os valores da sociedade. Camões, em Os Lusíadas, faz uma crítica quanto à isso. Isso na parte do velho porto!
Já os Bragança, eles foram diferentes. Eles conseguiram o título de sua Majestade Sereníssima junto ao Vaticano. As boas relações com o Vaticano deixaram Portugal diplomaticamente influente no século XVIII!
Os Borgonha conseguiram a indepedência do Condado de Castela, por lutarem na Reconquista. Os Avis destruíram as tradições universalistas de Portugal.
Os reis portugueses perseguiram os judeus, e eles foram para a Holanda em busca de liberdade. Isso explica porque a Holanda superou Portugal em poder naval e riqueza.
A política de sigilo das rotas desestimulou a busca por saber, que é de tendência universalista. E isso pressupõe liberdade. A censura foi muito forte. Isso não permitiu que o povo português progredisse moralmente."
Sara: Podemos dizer que a moralidade é o pulmão de um Estado.
Estava a pensar com meus botões: você já me disse o que é nacionidade, e eu entendi. Mas ela tem algo em comum com o pensamento cosmopolita, que renega o patriotismo?
José Octavio: "Não, o que eu penso sobre a nacionidade é que, da integração com elemento local e com a vinda de novas pessoas, quando vem para cá para prosperar, nasce uma nova pátria a partir da convivência do nacional com o imigrante. A nação se renova de dentro pra fora. Uma nação se torna moralmente mais rica quando suas tradições são atualizadas ou modernizadas voluntárias, segundo o que Jaime Cortesão disse. A imigração é uma forma de atualizar as tradições e de libertar povos de vícios e ignorâncias históricos, a partir da convivência com outros povos. Os reis que governaram vários povos sob sua liderança, fizeram surgir nações inteiras a partir da aproximação desses povos. Da mistura de culturas e de genes, faz-se uma espécie de seleção natural que é virtuosa. Isso é um dado que Acton conta.
Cosmopolitismo é coletivismo! E nação é uma sociedade de indivíduos integradas, cooperando e compartilhando suas solidões, suas experiências de vida livremente e voluntariamente. Cosmopolitismo, internacionalismo, tribalismo e totalitarismo tendem a ser coletivistas! Sociedade como coleção é coisa de marxista, que se baseia de política nacional de identificar o amigo do inimigo!
O patriota é que vai pra guerra para defender o país, seja ele agredido ou em guerra preventiva, se algum maluco planeja atácá-lo, como o Chávez por exemplo. O nacionista quer viver em paz, mas quando vê seu país ameaçado, porque sua liberdade será ameaçada, ele se torna um patriota. O nacionalista tende a ser imperialista, pois toma a nação como um projeto de poder absoluto: é uma das muitas formas de absolutismo. E é o que houve em Portugal!
Isso que te conto é com base na minha pesquisa sobre o assunto. Pois nacionidade, para John Borneman (o pesquisador original, que é marxista), nationness é política de Estado, de capitalismo de Estado, welfare state. Obviamente, eu rejeito a colocação dele - a minha visão é pautada no pensamento de Hayek, que vê a sociedade como uma ordem espontânea. Na semântica da nossa língua, nacionidade passa uma idéia de espontaneidade, de voluntarismo, de uma ordem capaz de se auto-organizar a partir da oferta e demanda de bens e valores, partindo da livre iniciativa dos indivíduos e das instituições; já nationness, de determinismo. Ness é sufixo que indica determinação, certeza. Não é à toa que o behaviorismo nasceu na Inglaterra. Expressões como nationness e Estadística (que estuda o Estado como o agente das relações internacionais, no entendimento de Philip Bobbit), são derivadas desse behaviorismo.
Economia de mercado não é barganha por dinheiro e mercadorias - é mais do que isso. Ter um amigo no Orkut que seja de confiança, significa que você explorou um mercado moral (as redes sociais) e você faturou uma aliança duradoura, que pode ser por toda a vida, fora o conhecimento advindo de tudo isso.
A grande diferença entre um liberal e um conservador, é que o liberal entre o custo e a moral, ele relativiza a moral para escolher uma escolha menos onerosa. O conservador, não. Ele paga um alto preço para defender seus princípios. O que mede a dignidade de alguém é capacidade de alguém pagar caro para defender seus princípios constitucionais pessoais, sem tentar relativizá-las. Ele não poupará esforços para defender esses valores, pois esses valores serão recompensados no futuro. Ele olha isso a longo prazo.
O liberal troca uma vida terminal, como da Teri Schiavo, por investimentos em escolas, saúde e outras coisas. Ele tem uma concepção mais utilitarista da vida. Ele acredita em felicidade para o maior número possível, mesmo que isso signifique sacrificar algo - ele sabe que dói, mas que esse sacrifício é necessário. O liberal tende a ser uma pessoa prática por natureza. Esse é o preço a ser pago. O conservador não paga esse preço, mas está disposto a pagar caro para preservar estes valores absolutos, que são a base da civilização.
Como conservadores, nós pagamos um preço alto pelo que acreditamos. Pois esses valores nos recompensam à longo prazo. Quem pensa em curto prazo, tem a lógica do que faz vôo de galinha. Adota uma posição devedora, moralmente irresponsável."
Sara: Mas lendo algumas coisas sobre o pensamento cosmopolita, vi uma
diferença entre o pensamento medieval e o de hoje. O que quero dizer é
que os liberais podem ter deturpado o seu sentido, pois veja um trecho
do livro do professor Felipe Aquino, Uma História que não é contada:
"Tal liberdade favorecia a aproximação entre as diversas Universidades;
havia até algumas "manobras" estudantis: os estudantes de Parias iam sem
permissão a Orleães a fim de concluir a sua licenciatura, porque lá os
exames eram mais fáceis; realizavam seus movimentos de contestação e
greve... a tal ponto que a Universidade era um mundo turbulento, quase
tanto quanto em nossos dias. Era também um mundo cosmopolita; os
estudantes de Paris estavam repartidos em quatro nações: os Picardos, os
Ingleses, os Alemães e os Franceses. Os professores também vinham de
diversas partes do mundo: havia Sigério de Brabante (Bélgica ), João de
Salisbury (Inglaterra ), São Alberto Magno da Renânia, Santo Tomás de
Aquino e São Boaventura da Itália. A lpingua comum, única falada na
Universidade, era o latim; esta permitia aos sábios comunicar-se de um
ponto a outro da Europa Ocidental e contribuía para salvaguardar a
homogeneidade de pensamento.
Os problemas que apaixonavam os
filósofos, era os mesmos em Paris, em Oxfprd, em Edimburgo, em Colônia
ou em Pavia.
O mundo estudantil era também um mundo intinerante:
os jovens saiam de casa para alcançar a Universidade de sua escolha;
voltavam para sua terra nas festas. Punham-se a caminho para aprender as
lições de um mestre famoso ou estudar uma matéria na qual determinada
cidade se especializara. Com os mercadores e os peregrinos, foram os
estudanres os que mais contrinuíam para a grande animação das estradas
medievais."
Eu achei o cosmopolitismo medieval muito parecido com a nacionidade. Ou seja, como você bem falou das tradições universalistas.
José Octavio: "Quando Kant se referia ao cosmopolitismo como uma forma de estudar a História Universal, ele se referia exatamente a essa tradição cosmopolita medieval, que hoje se perdeu. Aliás, essa tradição nasceu junto com o renascimento comercial.
O cosmopolitismo moderno se misturou ao coletivismo e ao relativismo moral. O cosmopolitismo moderno é sinônimo de promiscuidade. Quando você critica o cosmopolitismo, é o sentido moderno dele, dado hoje em dia. E a globalização tão falada hoje é que promove esse cosmopolitismo promíscuo. Nós precisamos aquele sentido que era dado na época da Idade Média, pois foi nesse período que a filosofia moral floresceu.
Aliás, eu estive lendo o livro que eu mesmo digitalizei e descobri que o fato gerador das grandes navegações foi deter a ameaça muçulmana, pois em 1453 os otomanos haviam tomado Constantinopla. Partindo da tradição da política de sigilo da Liga Hanseática, os portugueses começaram a adotar a política de sigilo a partir de Ceuta. A Igreja Católica fez uma aliança com o patriarca de Constantinopla e com a Igreja da Etiópia para juntos lutarem contra os Muçulmanos (era uma nova fase nas cruzadas, mas dessa vez o intuito era impedir a islamização da Europa). Era a chamada Igreja Unversal. Daí que vem o universalismo. Aliás, Portugal foi um dos principais aliados da Igreja, até a chegada de um Papa espanhol e o tratado de Tordesilhas. A relação só melhorou mesmo a partir do reinado de Bragança (quando D. José I recebeu o título de Sua Majestade Sereníssima).
E esse sentido da época precisa ser resgatado, pois os bárbaros estão bem na nossa porta.
Sara: Não gosto de Kant, pois a opinião de causalidade dele não é científica, além de ser iluminista, claro. Mas ele de vez em quando acerta, como por exemplo, quando diz que existem valores e verdades inatas aos homens.
Vê-se pela primeira vez a expressão Igreja Católica (ou seja, Universal) no século I, na carta que Santo Inácio de Antioquia escreveu aos esmirnenses. Mas a universalidade da Igreja foi mais predominante a partir da Idade Média, ou até um pouco antes.
Concordo plenamente com você: os Bárbaros de hoje são os relativistas.
José Octavio: "A tradição do iluminismo no continente europeu fortaleceu ainda mais os poderes do Estado. O iluminismo francês é um exemplo grotesco. Não sei quanto à tradição alemã.
Sim, a tal ponto que as grandes navegações foram uma espécie de continuação das cruzadas, principalmente logo após os otomanos terem tomado Constantinopla em 1453. Aliança entre o Papa, o patriarca de Constantinopla e a Igreja Ortodoxa Etíope foi mais do que fundamental para lutar contra a penetração muçulmana na Europa e na África. Por muito tempo a Etiópia foi base de operações dos europeus para tomarem o Egito dos mamelucos.
Além disso, havia a questão comercial, quebrar o monopólio das especiarias, que ficou nas mãos dos mamelucos. Se quebrassem o monopólio de Veneza e dos mamelucos, o eixo comercial se deslocaria para o Atlântico.
E foi o que aconteceu por um tempo. Isso só se consolidou de vez com a colonização da América e o comércio triangular. Essa foi a conquista definitiva."
Sara: Gostaria de lhe perguntar sobre privatização: seria bom privatizar a Petrobrás? Ou ela pode continuar sendo uma estatal, mas o Estado interferindo somente quando há necessidade?
José Octavio: "A Petrobrás é fruto de um nacionalismo econômico, que tende a ser ineficiente e caro para o contribuinte. Todo tipo de nacionalismo leva à um socialismo. Por isso que sou nacionista (e patriota, se for preciso para proteger minha liberdade dos inimigos), mas nacionalista jamais.
Roberto Campos tem uma frase muito boa sobre isso: "O petróleó é um hidrocarboneto, e não uma ideologia". O petróleo serve para tudo ou quase tudo. Você sabia que certos produtos, certos corantes, certos conservantes que usamos na nossa alimentação são feitos a base de petróleo? Sim, nós também comemos petróleo. Este hidrocarboneto é a base da economia do mundo civilizado - quem deseja fazer política sobre ele igualmente deseja interferir na vida privada das pessoas.
O fato: petróleo gera riqueza - e riqueza, como citou Hobbes, é poder. E o que os políticos querem, principalmente os mais desonestos? Poder, é claro! Hobbes disse isso e Adam Smith confirmou isso o citando."
Sara: Os que são contrários a privatização da Petrobrás nutrem realmente o nacionalismo. Mas ninguém lembra que a telefonia melhorou muito, e a Vale do Rio Doce, apesar de privatizada, continua sendo um símbolo nacional.
José Octavio: "Uma boa empresa, que gera riqueza para o país e para o povo que vive aqui, gera bem-estar e comodidade - e um dos requisitos da nacionidade é estar bem em seu país. Você tocou num ponto importante - à luz do Direito brasileiro, uma General Motors do Brasil, é uma pessoa jurídica nacional; ela só é apenas uma filial da General Motors. Toda filial é uma empresa autônoma, que faz parte de um grupo econômico complexo que investe em outros países para poder não só atender a demanda local da matriz, bem como onde vai se instalar, e elas são a base do comércio internacional e da integração entre os povos. É claro que empresas como Vale e Petrobrás, que foram fundadas por brasileiros, são mais comprometidas com o progresso do país do que as filiais, pois os brasileiros conhecem melhor as nuances deste país que os demais povos aqui instalados. Elas conhecem melhor o terreno e podem traçar estratégias melhores para atender a demanda local. Isso é uma vantagem comparativa que temos só do fato de nascer aqui.
Não há hoje o que havia no tempo das Grandes Navegações: uma política de sigilo como um instrumento de soberania de Estado. Não há hoje um monopólio político de uma atividade - pois as fundações naturais de uma ordem livre nascem da livre iniciativa, e não no mercantilismo. Estado empresário é neomercantilismo - e isso é tão ruim quanto o socialismo, pois é ineficiente e não permite o empreendedorismo.
Se houver monopólio, que seja de forma natural, em função da competência que uma empresa tem em tão bem atender o mercado. Mas isso dura um certo tempo. Empreender é uma maneira de atualizar os costumes na sociedade, sem destruir o que já está solidificado, pois ele é bom por si mesmo (pois isto que é solidificado por milênios, a gente conhece por meio dos sentidos, pois são leis não escritas, mas que todos nós conhecemos, por convivermos com elas entre nós, nos nossos corações - essa uma razão de não esquecermos isso). "
Sara: Como eu ignorava muita coisa da política e da economia! E agora ficou claro que elas estão intrinsicamente ligadas à nacionidade.
José Octavio: "Fico feliz que tenha entendido o espírito da coisa, Sara. Essa é a grande razão pela qual defendo a monarquia - a república, devido à instabilidade política e ao fisiologismo político, está, pouco a pouco, desagregando as pessoas e tornando as pessoas moralmente irresponsáveis. Esses são os dois efeitos morais da propriedade privada, uma das bases de uma ordem livre. Do ponto de vista econômico, os outros quatro efeitos são óbvios: fixação dos bens do ativo, fungibilidade dos bens do ativo, proteção das transações contra a fraude (pois a propriedade é um registro de uma ocupação mansa e pacífica, conforme o bom direito), e permite que você analise por comparação às ofertas que estão disponíveis, de modo a que você escolha o melhor, pelo preço mais atraente.
Defedendo os dois principais pontos da propriedade (integração entre as pessoas e a responsabilização das pessoas), você necessariamente estará defendendo os outros quatro pela via difusa. Ignorando estes dois pontos, tudo vai pro saco. E a monarquia, em especial a TFP, conhece muito bem da importância destes dois efeitos da propriedade. Por isso que sou monarquista, pois isso é a base da nacionidade de um país. Este processo foi interrompido."
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